quinta-feira, 31 de março de 2011

Cartas sobre a situação ambiental no campo e na cidade.


Por Alberto Kirilauskas
 
A primeira carta foi redigida pelo Luciano Pizzato, e adaptada por Barbosa Melo - 
Luciano Pizzatto é engenheiro florestal, especialista em direito sócio ambiental e empresário, diretor do Parque Nacional e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89, detentor do primeiro Prêmio Nacional de Ecologia.
A segunda, por sua vez, foi redigida pela Analista Ambiental do IBAMA, cujo o nome não farei referências aqui por não saber sobre o seu real interesse em divulgar o seu nome como autora, observado que na versão que me foi encaminhada através de uma lista de email cuja a autora faz parte, a carta não está explicitamente assinada.
Os dois textos contribuem para nossas reflexões sobre as alterações do código florestal, cuja a proposta de alteração tem gerado um intenso debate me diversos meios. Como a cobertura midiática tem se demonstrado parcial, como em muitos casos de interesse nacional e mundial, aqui segue visões distintas da mesma situação. Desejo que essas cartas estimulem nossas buscas por informações de qualidade.
Boa leitura.


Carta do Zé agricultor para Luis da cidade. 
Prezado Luis, quanto tempo. Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava. 
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis? 
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente. 
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só à uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro tal de APPA que criaram aqui na vizinhança. 
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis? 
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né.) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário? 
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama, só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca. 
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscal e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo. 
Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora. 
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né? 
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado. 
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes de ela cair por cima da casa.  
Fui ao escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui ao IBAMA da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso. Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos. 
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisar de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis. 
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio. (Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.) _________________________________________________________________________________ 
Resposta do Luis para o Zé! 
Puxa Zé, que pena! Então você está mesmo decidido a vir para a cidade? É um direito seu, mas antes, quero te avisar de algumas coisas... . 
Infelizmente a vida por aqui não é tão maravilhosa quanto você pensa. A comida da gente não brota da geladeira não. Tem que trabalhar muito para conseguir comprar na feira, no supermercado... . E sabe que o dinheiro anda curto.
Gastamos muito com o tratamento das doenças respiratórias das crianças. Você deve lembrar que eu casei com a Joana da nossa turma, né? Tivemos dois filhos. Desde que nasceram, os meninos sofrem com uma rinite alérgica causada pela poluição do ar nas cidades. É cada vez tem mais carro e fábrica que polui o ar! 
Gastamos também com escola, pois há muita violência nas escolas do governo, assim, tivemos que optar por pagar colégio particular para nossos filhos. 
Além dos remédios para as crianças, gastamos também com o tratamento da Joana e da mãe dela. Acredita que as duas estão com câncer? E o médico acha que é por comer alimentos com muito agrotóxico... mas não tem como provar, e daí, as despesas médicas ficam por minha conta mesmo.  
Antes ela trabalhava como faxineira em diversas casas, mas sem registro. De vez em quando ela tinha que parar porque não aguentava de dor na coluna, mas nunca ficou parada tanto tempo quanto agora com a doença. E o pior é que não tem INSS que a socorra pois ela nem sabia que tinha que contribuir por conta própria já que as patroas não tinham esta obrigação. 
Por via das dúvidas, parei de comer verdura, mas agora estou com pressão alta e obesidade. Queria poder comprar orgânicos e ajudar os agricultores familiares, mas como o custo é muito alto, não temos escolha. 
Mas tem coisas boas por aqui também. Eu estou pagando a prestação de um carro há 4 anos e só faltam mais 3. O veículo é bom, mas tenho que gastar com manutenção e ajustes todo ano, antes de fazer a inspeção veicular. E sabe, Zé, paguei mais caro no carro bi-combustível, para poder colocar álcool nele, mas agora o preço dobrou e eu não dou mais conta. Parece que o setor sucro-alcoleiro está preferindo produzir açúcar pois no momento eles lucram mais com isto. Pelo menos agora eu não perco mais 3 horas na ida e 3 horas na volta durante os congestionamentos. O trânsito estava me matando! O problema é que, como os ônibus e metrô ficam muito cheios na hora de entrar e sair do trabalho, to tendo que entrar mais cedo e sair bem mais tarde. Na verdade, estou gastando mais tempo agora para ir de casa para o trabalho, mas pelo menos não fico mais nervoso com os motoqueiros, pedestres fora da faixa, pessoas que fecham os cruzamento, carros em fila dupla, etc. 
Me perguntam porque eu resolvi trabalhar tão longe de casa... Sabe como é, emprego está difícil. Eu fiquei vários anos sem trabalho mesmo tendo faculdade, e quando surgiu esta vaga de técnico-assistente, nem pensei na distância, aceitei na hora.
E sobre o rio daqui da cidade, meu amigo, sinto dizer, mas ele é poluído também. Acredita que boa parte do meu salário vai para o pagamento de impostos, e mesmo assim o governo não investe em tratamento dos esgotos? E as indústrias? Além de poluir o ar, muitas delas jogam poluentes nos rios! E os fiscais do meio ambiente não podem fazer nada, pois são poucos e não tem dinheiro nem para pagar a gasolina das viaturas. Isto porque, os políticos só falam que a Natureza é importante, mas na hora de investir e destinar verba para o meio ambiente, concursos, etc., que nada! O orçamento do setor é menor até que o da cultura e do turismo. 
Ah, e esta coisa de multa, né? Eu entendo que revolta... Eu também fui multado pois na festinha de aniversário do meu mais novo, colocamos a música um pouco mais alta do que o permitido. E também quando cortei uma árvore que estava caindo na frente da minha casa. Assim como você, pedi autorização, mas a Prefeitura não mandou um perito, só um fiscal que me puniu quando eu perdi a paciência de esperar e cortei tudo mesmo. Não adiantou eu ter plantado uma muda no lugar... . Nos falaram exatamente o que você disse, que a Lei é para todos. 
Zé, se prepare pois aqui tem que pagar pela água também! E a conta de luz é uma facada! 
Mas enfim, será bem vindo em minha casa! Apenas gostaria que você, antes de vir, desse um recado aos seus vizinhos, agricultores familiares: 
Não sei se vocês sabem, mas estão querendo mudar a principal Lei que protege as florestas brasileiras, o Código Florestal. E estão usando os pequenos proprietários para favorecer os grandes empresários do agronegócio, que tanto lucram neste país!
Tem um deputado aí, que se dizia comunista e tal, mas que agora está na defesa dos interesses dos grandes latifundiários! Ele mente, dizendo que está defendendo os interesses dos pequenos, mas omite que no Código Florestal em vigor, a Lei 4.771/65, já existe uma série de privilégios para a pequena propriedade dos agricultores familiares: Podem computar na RL, os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas (Art. 16, § 3º); Podem sobrepor APP e RL quando a soma das duas exceder a 25% da área da propriedade (nos casos previsto no inciso III, § 6º do Art.16); A averbação da RL é gratuita (§ 9º do Art. 16); Os procedimentos para a comprovação de necessidade de conversão de florestas para uso alternativo do solo em propriedade rural que já possua área desmatada, são simplificados (I, § 3º, Art. 37-A).
E o pior, ele não diz para as pessoas que, com a diminuição das florestas, os rios poderão ficar assoreados e diminuir a disponibilidade de água; a fauna não terá local de viver e algumas espécies como as cobras, poderão ir para as casas das pessoas procurar alimento; insetos e pragas poderão atacar as lavouras, pois os seus inimigos naturais como pássaros e sapos serão dizimados; aumentará o calor e as chuvas torrenciais; haverá mais deslizamentos de terra e mortes; plantas medicinais poderão desaparecer para sempre; o Brasil ficará mal visto frente a comunidade internacional; a anistia que se dará a quem cometeu crime ambiental levará a um descrédito da legislação como um todo, dentre muitas outras coisas ruins, para quem vive no campo e na cidade. 
 Grande abraço, Luis da Cidade.

domingo, 27 de março de 2011

Uma breve reflexão sobre a atualidade

            Por Rachel Trovarelli
             Vivemos num mundo em crise.  Uma fase de grandes turbulências – pelo menos – nos âmbitos econômico, ambiental e social. Essas esferas estão diretamente interligadas. Um desequilíbrio em uma delas, afeta o todo.
            No âmbito econômico vivemos uma economia capitalista, baseada na escassez. A escassez de recursos é evidente: faltam recursos pra parte da população. Para algumas pessoas, falta comida. Para outras moradias, emprego, saneamento básico, entre outras necessidades básicas para nos mantermos em uma situação mínima para sobrevivência.
            Segundo Juarez Rizzieri, na obra de Pinho e Vasconcelolos (1998 : 12), citada em Consciência e Abundância de Paulo Roberto Silva (2009): “Em economia tudo se resume a uma restrição quase física – a lei da escassez, isto é, produzir o máximo de bens e serviços a partir dos recursos escassos disponíveis a cada sociedade.”
            É claro que se o objetivo é produzir o máximo de bens e serviços a partir de recursos escassos, os recursos irão acabar. A economia deveria produzir apenas o suficiente para atender toda população. Parece óbvio, mas para os grandes empreendedores esse raciocínio é algo inimaginável.
                Assim, os gestores das grandes empresas buscam maximizar sempre o lucro máximo. Para isso é interessante que haja escassez, pois verifica-se um aumento nos preços dos produtos e serviços. Porém, um alto custo para bens e serviços são inacessíveis para uma grande parte da população mundial, e aí então entramos na crise social.
            Pessoas passando fome, sede e sem moradia minimamente adequada, parecem ser cada vez mais comuns no planeta. A desigualdade social no mundo é gigantesca. Para alcançarmos a felicidade, segundo alguns autores e citado por Susan Andrews, podemos nos basear na seguinte fórmula:

F = G + C + A.V.              sendo que,
 F = felicidade
 G = genes
 C = condições de vida ,e
A.V. = atividades volitivas
            Desse modo, as condições de vida são um fator essencial na busca da felicidade do indivíduo. É claro, que não podemos reduzir um conceito tão amplo de felicidade apenas a essa fórmula. Existem outras variáveis que podem interferir. Felicidade é um conceito subjetivo. Mas podemos adotar, neste caso, como um estado na qual, há grandes quantidades de emoções positivas mantidas pelo maior tempo possível e baixa quantidade de emoções negativas.
            Condições básicas de vida são essenciais para o sentimento de bem-estar que todo indivíduo busca. Como alcançar isso para toda população terrestre numa economia baseada pela escassez? Temos, de fato, uma crise social.
            Os conflitos ambientais estão em alta nos dias de hoje. São super diversificados, interdisciplinares e próximos aos olhos de cada um. Sendo genérica, podemos falar em tensões ambientais a partir de uma economia baseada na exploração de recursos naturais e humanos de forma predadora e ofensiva. A partir dessa exploração desenfreada começam a surgir diversos problemas em áreas totalmente diferentes, porém interligadas. Podem ainda ser em âmbito local, regional ou global. Essas dificuldades ambientais são agravadas pela falta de ética, de informação/conscientização ou ainda, pela falta de iniciativa.
Segundo Paulo Roberto Silva, no livro Consciência em Abundância, 2009, “acreditar que todos nós podemos ser avaros e egoístas e que virá algo sobrenatural para ajustar as conseqüentes imperfeições nos parece o pior sentido de misticismo, dogma religioso ou esquizofrenia. Portanto, se nossa verdadeira intenção consiste em preservar a capacidade de sobrevivência na Terra e viver num mundo mais pacífico e justo, devemos orientar nossas decisões cotidianas pelas virtudes; logo por uma teoria econômica diferente da predominante.”
            O que há de comum nesses três setores em conflito? Todos possuem como causa emoções/sentimentos pessoais de cada ser. Seja a ambição ou o egoísmo dos bilhonários gestores de grandes empresas, seja a busca pela felicidade, ou ainda a falta de ética e de iniciativa que mantém este sistema. A inércia que o mundo vive, acredito ser, uma das maiores dificuldades a ser combatida.
            Para quebrar esse ciclo, não vejo saídas a não ser a conscientização e mobilização de pessoas. E aí que entra a educação ambiental. Claro que existem medidas mitigatórias, como técnicos ambientais, auxílios sociais, entre outros, mas a conscientização de pessoas é a solução definitiva, a longo prazo.
            Segundo Carlos Rodrigues Brandão em EA: uma vocação entre outras da educação, temos que “uma de suas contribuições mais importantes é que a educação ambiental trouxe muito mais do que idéias sobre o respeito à natureza. Ela incorporou uma longa luta pelos direitos humanos, direitos da vida. Ela está longe de ser apenas outra matéria escolar, é uma nova energia na educação, se associa a novas visões de ciência, de filosofia, de religiões e espiritualidade.”
            A educação ambiental, assim como o meio ambiente, é transdisciplinar, ou seja, permeia as diversas áreas. Não há como isola-la e trabalhar de forma independente, afinal estamos falando do ambiente em que as outras áreas estão contidas. O ideal é que a educação ambiental fosse intrínseca dos seres humanos e presente em qualquer atividade que estes desenvolvessem.
            Hoje as principais dificuldades de trabalhar com educação ambiental, segundo Sorrentino, 1997, são a grande dimensão e a diversidade do Brasil, e a falta de tradição de comunicação entre as pessoas que trabalham nesta área. Porém, percebe-se que desde a Rio 92 há uma multiplicação dos trabalhos de Educação Ambiental, de financiamentos e parcerias no campo.
            Ser um educador ambiental não envolve apenas o domínio de conceitos relacionados ao meio ambiente. É um processo longo e contínuo que deve despertar no “estudante” nobres valores, como respeito, compaixão e humildade. Esses valores ele deverá aplicar também em outros sentidos de sua vida. Assim, a educação ambiental atua num processo transformador e até mesmo de auto conhecimento.
            Conceitos biológicos, políticos, culturais e econômicos são essenciais em todo este processo. É a partir desse conhecimento, juntamente com a conscientização ética, que se tem uma visão crítica para fomentar mudanças.
            A organização social possui uma força gigantesca, se bem articulada. “Agindo localmente, pensando globalmente e trabalhando-se interiormente” são demandas e desafios que podem fomentar um processo transformador da realidade que vivemos.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Bicicleta versus carro, ruralista versus ambientalista

Por Alberto Kirilauskas
O conhecimento técnico nos permite tecer opiniões sobre alguns assuntos específicos mais profundamente, e quando vemos ou lemos artigos demasiadamente rasos sendo publicados por alguns jornalistas é preciso pensar sobre o alcance e influência daquela informação. Organizamos eventos para trezentas pessoas e consideramos que tivemos um público bom, e um único artigo, dependendo da mídia, poderá alcançar milhões de pessoas. Assim, com esse grande alcance os artigos de diversas mídias de massa deveriam estar respaldados em bases profundas, onde seria visível a responsabilidade dos autores. Todavia não observamos isso acontecer em muitos casos. Essa pequena introdução é para contextualizar sobre o artigo escrito pela Silvia Marcuzzo, onde, uma jornalista sentindo essa superficialidade de seus colegas de profissão decidiu se expressar demonstrando que a crítica ao jornalismo infundado já não mais parte somente dos meios técnicos, mas sim do próprio meio jornalístico, apesar dela também estar envolvida com questões socioambientais. Boa leitura.
Artigo escrito pela Silvia Marcuzzo

A falta de contexto é uma questão perigosa. Tremendamente perigosa para todos, inclusive para nós, jornalistas, que no afã de terminar uma reportagem, ou porque temos pouco espaço, não conseguimos ouvir lados importantes de uma determinada questão. Essa situação é resultado da ausência de leitores, ouvintes, telespectadores mais exigentes?.
Esse negócio de Grenal, ruralista versus ambientalista, bicicleta versus carro, não está com nada! Pior. Tem estado com tudo na mídia, que alimenta o ódio entre as partes. Nós jornalistas, onde me incluo como parte dessa categoria tão desvalorizada ao longo do tempo, temos tido pouco cuidado ao explicar os distintos contextos em nossas matérias.

Não tenho visto, infelizmente, colegas escreverem ou explicarem questões importantes, que afetam a vida de milhares - até mesmo milhões - de pessoas direta ou indiretamente. Infelizmente, alguns colegas, bravos colegas que resistem nas redações, acreditam nas palavras colocadas por um determinado segmento que têm certos interesses e, portanto, deveria ter sua credibilidade questionada.

É óbvio que a imparcialidade não existe. Aí continuo a indagar: será que a nossa imprensa está assim porque a sociedade organizada não está sabendo chegar até ela? Com tantas novas faculdades de comunicação abrindo, quem está brigando pela qualidade da informação, de olho apenas no interesse coletivo?

Enfim, essa explosão de inquietações foi provocada depois de ler o artigo de uma articulista da Folha de S. Paulo que saiu no último dia 12, sábado. Eis aqui um trecho:

“Pois parece que tudo o que não precisamos no momento é trazer para nossos indomados centros urbanos os problemas que ainda não são nossos. Ou melhor, que por ora pertencem apenas a um grupo de garotos mimados e com mais disciplina para exercitar músculos do que para enxergar o próximo. Não me venha dizer que estar “engajado na defesa da bicicleta como meio de transporte” é uma reivindicação que faz sentido para a população de baixa renda.”

A autora, assim como qualquer um, tem o direito de escrever o que pensa. Mas o que me intriga é que se ela teve coragem de escrever isso deve ser porque tem muita gente pensando como ela. Para ela, é bobagem a reivindicação dos ciclistas por mais espaço na cidade.

Outro assunto perturbador é a forma como o licenciamento ambiental é tratado. Muitos jornalistas são insuflados, pressionados a pressionar órgãos ambientais para que as licenças sejam concedidas. Mas será que eles sabem o que é, de fato, uma licença? Ou quantas pessoas são pagas pelos governos para trabalhar no processo de licenciamento? A questão de fundo é se a sociedade sabe o que significa transformar os órgãos ambientais em cartórios, com finalidades puramente burocráticas.

Não, não quero que isso vire uma guerra entre o público e o privado. Apenas acho que nós, jornalistas, precisamos saber perguntar e nos colocar no lugar de um público que está começando a compreender as complexidades da tão falada, mal entendida e com seu santo nome em vão tão evocado: a tal sustentabilidade.

Aliás, para que mesmo servem as árvores? Por que elas são importantes na beira do rio? Os rios são todos iguais, com a mesma vazão? E o que são Áreas de Preservação Permanente? E por que foram criadas as Reservas Legais? Será que algum colega se perguntou sobre isso antes de escrever ou falar para uma audiência de milhões de pessoas? Afinal, nem tudo é relativo. Para a natureza, as coisas simplesmente são como são. E ponto final!

(A pedido da autora, o texto foi modificado no dia 16/3)

Fonte:http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/grenal-bicicleta-versus-carro-ruralista-versus-ambientalista/#

quarta-feira, 16 de março de 2011

A Monsanto perde sua patente

Por Alberto Kirilauskas

Em texto publicado no Lê Monde Diplomatique Carlos Correa discorre sobre a influência de grandes corporações, mais especificamente a Monsanto, nas políticas públicas. A caso apresentado ocorreu na Argentina, porém é perceptível que muitos aspectos possuem suas semelhanças com o Brasil.
Dentre os pontos que a leitura aborda e favorece a reflexão, um deles eu considero que merece destaque, que é da democracia em seu sentido mais direto. Muitas das grandes empresas são controladas por pequenos grupos que são os maiores acionistas (em caso de empresas abertas), porém sua área de influência dentro das políticas de diversos países é elevada. Então, é fundamental repensar a estrutura de poder para que não se construam políticas que favoreçam uma minoria em detrimento de uma maioria.
Assim, fica aqui apenas um ponto que merece toda a atenção possível. Boa leitura.

A Monsanto perde sua patente

Em prol da agricultura familiar, o Tribunal de Justiça Europeu deu ganho de causa à Argentina ao desautorizar a transnacional estadunidense Monsanto a cobrar direitos de patente sobre derivados da soja tratada com produtos da companhia

por Carlos M. Correa

Em fevereiro de 2010, a Phillips Morris Internacional iniciou uma ação contra o Uruguai para forçar o país a modificar sua nova legislação sobre o empacotamento de cigarros. Segundo a lei uruguaia – fundada no inquestionável direito do país de proteger a saúde pública – em 80% dos dois lados dos maços de cigarros devem constar as advertências sobre seus possíveis efeitos danosos à saúde. A Phillips Morris argumenta que essa limitação prejudica o uso de suas marcas e viola seus direitos como “investidor”1.
O caso ilustra a crescente inclinação das grandes empresas transnacionais em desafiar de maneira direta as políticas públicas dos países em desenvolvimento onde essas elas operam comercialmente. No passado, recorriam a seus países-sede para defender seus interesses no exterior, como demonstram as múltiplas ações empreendidas pelo governo dos Estados Unidos, sob a influência do poderoso lobby da indústria farmacêutica. Esses desafios são agora diretos e envolvem, de maneira cada vez mais intensa, decisões que os países adotaram em áreas relacionadas com a proteção do domínio público e o reconhecimento da propriedade intelectual (marcas, patentes, direitos autorais, projetos industriais etc.).
Outro bom exemplo da mesma tendência é o conflito que a Monsanto, a maior empresa de agrobiotecnologia do mundo, desencadeou contra o Estado argentino para que este modificasse a sua legislação de sementes em conformidade com os interesses da empresa2. Curiosamente, neste caso, a Monsanto carecia na Argentina de direitos de propriedade intelectual que pudesse exercer legalmente para respaldar a sua reclamação. A história, paradigmática, pode ser resumida assim:
A Monsanto desenvolveu no final da década de 1980, em colaboração com outras empresas, uma modificação genética (logo conhecida comercialmente como “Round Up Ready” ou “RR”), em plantas de soja. Essa modificação confere às plantas resistência ao herbicida glifosato, oportunamente patenteado pela própria empresa. Tal resistência significa que a aplicação do glifosato sobre um cultivo de soja transgênica ‘RR’ permite eliminar as ervas daninhas sem utilizar meios mecânicos e sem afetar a planta.
A Argentina foi um dos primeiros países do mundo a autorizar, em 1996, a comercialização de soja transgênica RR3. A difusão da RR foi veloz, à medida que a resistência ao glifosato foi incorporada a um número crescente de variedades de soja. Associado à isso e aliado ao uso do glifosato, o “pacote” de sementes modificadas ofereceu aos agricultores a possibilidade de reduzir os custos de produção e simplificar o manejo do cultivo. Como resultado, a participação da soja no total semeado quase duplicou entre 1996 e 2003. Nesse período, iniciou-se a “sojização” da agricultura argentina; na atualidade, praticamente a totalidade da soja cultivada inclui a modificação transgênica que oferece resistência ao glifosato.
A rápida difusão da soja transgênica RR foi facilitada pelo vencimento, em 1987, da patente sobre o glifosato na Argentina (e pela consequente emergência de uma forte concorrência e baixa de preços) e pela falta de proteção de patentes no país do transgênico RR. Foi exatamente isso que deu origem ao conflito com a Monsanto que, em 7 de julho de 1986, havia apresentado um pedido de patente nos Estados Unidos, finalmente outorgado, em 10 de julho de 1990 (registrada como ‘Glyphosate-resistant plants’). No dia 3 de abril de 1995 – ou seja, quase dez anos depois – a Monsanto solicitou a revalidação dessa patente na Argentina.
Mas a legislação argentina havia sido modificada em razão da aprovação e entrada em vigor no país de um novo tratado internacional sobre propriedade intelectual – o Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC). Consequentemente, a Corte Suprema de Justiça da Nação confirmou (no caso da Unilever contra o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 24-10-00) a rejeição dos pedidos de revalidação de patentes estrangeiras. Entre os pedidos de patentes não revalidadas figurou o do transgênico RR, tardiamente apresentado pela Monsanto. Assim, a RR entrou no domínio público no país. A Monsanto não podia, portanto, impedir que a RR fosse incorporada em variedades de soja argentinas. Ninguém estava obrigado a pagar direitos por uma tecnologia que – por qualquer que fosse a razão – era de livre disponibilidade. O sistema de patentes, de natureza essencialmente territorial, estabelece prêmios e castigos: quem não solicita proteção, dentro do prazo previsto pela lei num país, perde todo direito a fazê-lo, mesmo que subsista a proteção em outros países. De fato, a maior parte das patentes outorgadas nos países desenvolvidos nunca foi registrada nos países em desenvolvimento. Por exemplo, anualmente na Argentina, somente, são registradas menos de 2% das patentes concedidas nos Estados Unidos.

Proteção das sementes
Embora a Monsanto carecesse de toda base legal para exigir um pagamento pelo uso do gene RR na Argentina, diversas empresas semeadoras locais assinaram contratos de licença privados com a empresa que contemplavam o pagamento de direitos como contraprestação por incorporar a RR em suas variedades de soja. Mas isso não foi suficiente para a Monsanto.
Na Argentina, assim como em grande parte dos países (incluindo os Estados Unidos, nação de origem da Monsanto), respeita-se a prática ancestral dos agricultores de guardar parte das sementes que eles obtêm de seus próprios cultivos para futuras semeaduras. Prática fundamental para assegurar a produção de sementes de um modo sustentável, reduzindo os custos do agricultor. O direito de guardar as sementes de variedades protegidas está expressamente reconhecido na legislação argentina (Lei de Sementes e Criações Fitogenéticas Nº 20.247) e autorizado pelas disposições do direito internacional aplicáveis no país (Convenção da UPOV de 1978).
No entanto, a Monsanto tentou forçar a Argentina a alterar esse direito dos agricultores para obter pagamento por “sua” tecnologia mesmo nas semeaduras posteriores. Obviamente, os esforços para convencer o governo argentino e as associações de agricultores fracassaram. A Monsanto anunciou, então, que recorreria a outro método: impedir a entrada da farinha de soja argentina nos mercados nos quais estivessem em vigor patentes relativas ao gene RR. A farinha de soja havia se tornado o principal produto de exportação do país, e o mercado europeu havia se transformado no maior comprador mundial do produto.
De modo que, alegando a violação de patentes obtidas na Europa sobre o gene RR (com base na patente EP 0 546 090, concedida em 19 de junho de 1996), a Monsanto solicitou às autoridades aduaneiras em diversos países (Espanha, Dinamarca, Itália, Holanda, Grã-Bretanha) o confisco das importações de farinha de soja de origem argentina. Embora essas ações prejudicassem de maneira direta os importadores europeus do produto, o destinatário não era outro senão o Estado argentino.
A Monsanto obteve a apreensão de três carregamentos de farinha de soja no porto de Amsterdã, procedentes da Argentina, em 2005 e 2006, com base na normativa comunitária que permite a intervenção das autoridades aduaneiras nos casos de mercadorias “suspeitas” de violar direitos de propriedade intelectual. Trata-se da mesma normativa (Regulamento CE Nº 1383/2003, do 22-7-03), questionada recentemente perante a OMC por sua aplicação para apreender medicamentos genéricos legitimamente produzidos na Índia e em trânsito rumo ao Brasil e a outros países em desenvolvimento4.
Além de solicitar a intervenção da alfândega, a Monsanto processou os importadores holandeses por infração de suas patentes. O governo argentino requereu e obteve o consentimento do tribunal holandês para participar do litígio como parte interessada. No curso dos procedimentos, a Monsanto solicitou ao tribunal holandês que requeresse do Tribunal de Justiça Europeu (TJE) o esclarecimento de um conjunto de “questões prejudiciais” relacionadas com a interpretação do artigo 9 da referida Diretiva 98/44/CE, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas. Em conformidade com esse artigo, a proteção conferida por uma patente, no caso de um produto que contém uma informação genética, estende-se à matéria na qual “a informação genética está contida e exerce sua função”5. O ponto central submetido à apreciação do TJE foi a possibilidade de considerar que o gene RR exercia sua função na farinha de soja, uma matéria inerte produzida com o tratamento do grão de soja.

Sem embasamento legal
Remetida a questão ao TJE, este emitiu seu parecer em 6 de julho de 2010. Poucos dias antes, provavelmente prevendo uma decisão contrária por parte do tribunal, a Monsanto chegou a um acordo com os importadores processados e desistiu da ação. Não obstante, oportunas gestões dos representantes legais do governo argentino impediram que a causa fosse arquivada sem se conhecer o parecer do TJE.
Em consonância com o parecer já antecipado pelo Advogado Geral do tribunal, o TJE indeferiu os argumentos da Monsanto, assinalando que “a soja RR é cultivada em grande quantidade na Argentina, onde a invenção da Monsanto não está protegida por nenhuma patente”. Respondendo a um dos questionamentos formulados pelo tribunal holandês, o TJE esclareceu – como haviam sustentado o importador processado e o governo argentino – que a função do transgênico patenteado pela Monsanto somente é exercida na “planta viva”, ao lhe proporcionar proteção “contra a ação efetiva ou a possibilidade previsível da ação de um produto que possa causar a morte da planta”. Em consequência, afirmou o tribunal, “não é previsível, nem sequer normalmente concebível, a utilização de um herbicida na farinha de soja. Além disso, mesmo supondo tal uso, a função do produto patenteado, orientada para a proteção da vida de uma matéria biológica que o contém, não poderia ser exercida, pois a informação genética já se encontra tão somente em forma de resíduo na farinha de soja, e esta é uma matéria morta obtida após várias operações de tratamento da soja (…). Depreende-se das considerações precedentes que a proteção prevista no artigo 9 da Diretiva fica excluída quando a informação genética deixou de exercer a função que ela assegurava na matéria inicial, a partir da qual se originou a matéria litigiosa”.
O TJE indeferiu, da mesma forma, o engenhoso – embora infundado – argumento da Monsanto de que mesmo se a farinha não constituísse matéria biológica, subsistiriam nela restos de sequências de DNA que conteriam a informação genética patenteada e que esta poderia ser extraída, introduzida em outra planta e cumpriria, assim, a função para a qual foi criada. O tribunal descartou também o intento da Monsanto de se amparar numa suposta proteção “absoluta” conferida por suas patentes. Conforme essa tese, a mera presença na farinha de soja da sequência genética patenteada representaria uma violação de seu direito. O TJE ressaltou que, em conformidade com o 23° considerando a Diretiva mencionada, “uma mera sequência de DNA, sem indicação de qualquer função biológica, não contém ensinamentos de caráter técnico (…) e, por conseguinte, não constitui uma invenção patenteável” e que “uma sequência de DNA não goza de qualquer proteção em virtude do Direito de patentes quando não se precisar a função exercida por tal sequência”.

Uma cadeia infinita
Essa consideração do TJE traz alívio não somente para o comércio de farinha de soja, mas para o de qualquer produto derivado ou que contenha uma sequência patenteada na qual ela não exerça sua função. Isso tem particular importância para a indústria e o comércio de alimentos e para as políticas relacionadas com a segurança alimentar, pois, se a patente sobre um transgênico fosse estendida a seus efeitos sobre os alimentos produzidos a partir da matéria-prima, boa parte da produção de alimentos ficaria sob o controle de um punhado de empresas que dominam a biotecnologia vegetal.
Essa possível consequência não passou despercebida ao advogado-geral do TJE: “A meu ver, seguir a interpretação sustentada pela Monsanto levaria a reconhecer ao titular de uma patente biotecnológica uma proteção excessivamente ampla. Com efeito, (…) não é possível determinar até que momento e em que ponto da cadeia alimentar e dos produtos derivados ainda podem ser detectados restos do DNA originário da planta geneticamente modificada. Trata-se, evidentemente, de sequências que já não desempenham função alguma, mas sua mera presença submeteria um número indeterminado de produtos derivados ao controle da pessoa que patenteou a sequência genética de uma planta. Como assinalou o Governo argentino, com um arrazoado que somente em parte é paradoxal, se no estômago de um bovino fossem encontrados restos da sequência, como resultado da alimentação do animal com produtos derivados da planta geneticamente modificada, também sua importação poderia ser considerada uma violação ao direito do titular da patente” (parágrafo 34).
No entanto, para assegurar que esta conquista não seja passageira, a agência de patentes na Argentina deverá ser muito cuidadosa na avaliação de novos pedidos de patentes em torno do mesmo transgênico. Na agrobiotecnologia, assim como na indústria farmacêutica6, observa-se o fenômeno conhecido como evergreening, ou seja, o pedido de patentes sobre variantes menores, incluindo triviais, de produtos que se encontram no domínio público, com o fim de bloquear a concorrência. Se isso ocorrer, o que se obteve no tribunal europeu poderia ficar reduzido a um interessante, mas fugaz esforço em defender a capacidade de decisão nacional numa área crítica para o seu desenvolvimento econômico.

Carlos M. Correa é diretor do Centro de Estudos Interdisciplinares de Direito Industrial e Econômico (Ceidie) da Universidade de Buenos Aires.

1 http://es.justinvestment.org/2010/04/phillip-morris-vs-uruguai.
2 Carlos Correa, “A disputa sobre a soja transgênica. Monsanto vs. Argentina”, Le Monde Diplomatique Brasil, abril de 2006.
3 Resolução da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca 167/96.
4 Xavier Seuba, “Free Trade of Pharmaceutical Products: The Limits of Intellectual Property Enforcement at the Border” (Livre comércio de produtos farmacêuticos: os limites ao cumprimento da propriedade intelectual na fronteira), Palestra Nº 27, 2010 (http://ictsd.org/i/publications/74589/3).
“Propriedade industrial e comercial – Proteção jurídica das invenções biotecnológicas – Diretiva 98/44/CE – Artigo 9 – Patente que protege um produto que contém uma informação genética ou consiste numa informação genética – Matéria na qual está contido o produto – Proteção – Requisitos”, assunto C 428/08, entre Monsanto Technology LLC e Cefetra BV, Cefetra Feed Service BV, Cefetra Futures BV, Alfred C. Toepfer International GmbH, do qual participa a República Argentina.
(http://eur-ex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:234:0007:0008:ES:PDF).
5 Carlos Correa, op. cit.
6 Carlos Correa, “Patentear inventos ou inventar patentes”, Le Monde Diplomatique, edição argentina, dezembro de 2009.

domingo, 13 de março de 2011

Neoliberalismo + cultura de mídia empresarial = despolitização profunda e completa: a gigante News Corporation

Por Rachel Trovarelli

Fiquei extremamente paralizada (pra não dizer assustada), quando recebi um email semana passada que dizia que Rupert Murdoch havia feito uma proposta para comprar quase metade da mídia britânica.

Quem é esse tal de Rupert Murdoch? Seja quem fosse, não "cheirava" bem alguém querer comprar metade da mídia britânica assim do dia para a noite. O email fomentava um abaixo assinado para pressionar o governo local a intervir na compra. "O controle sobre a mídia britânica irá expandir massivamente a influência de Murdoch em enfraquecer esforços globais pela paz, direitos humanos e o meio ambiente. O Reino Unido está em pé de guerra sobre a aquisição de Murdoch e até o governo aliado de Murdoch está dividido ao meio, mesmo há horas de terem que tomar uma decisão. (...) Vamos gerar um chamado global contra Rupert Murdoch. Assine a petição para os líderes do Reino Unido."
O email ainda dizia sobre a utilização de grandes difusoras de informações nos Estados Unidos para eleger líderes do país nas eleições do Congresso norte-americano em 2010.

Enfim, fiquei com a pulga atras da orelha e resolvi fazer uma breve investigação.

Encontrei algumas informações bem relevantes no livro "Por uma outra comunicação. Mídia, mundialização cultural e poder." org. Denis de Moraes da Editora Record, 2003. Um dos capítulos deste livro, escrito por Robert W. Mcchesney, explica que o mercado de mídia globla é controlado por sete multinacionais, são elas: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom, Vivendi e Bertelsmann. Destas empresas, três são norte-americas. Rupert Murdoch é o presidente da News Corporation. Segundo Mcchesney" a News Corporation pode ser a locomotiva global mais agressiva, embora seja dora a concorrência com a Sony, Bertelsmann ou AOL-Time Warner. Murdoch tem serviços de TV por satélites que cobrem da Ásia à Europa e à America Latina. Sua Star TV predomina na Àsia, com trinta canais em sete idiomas. O serviço de televisão da News Corporation na China, a Phoenix TV, com participação de 45%, chega hoje a 45 milhões de lares e teve um aumento de 80% da receita publicitária em 2000. E mal começamos a descrever todo o portofólio patrimonial da News Corporation: filmes da Twentieth Century Fox, rede da TV Fox, editora HarperCollins, estações de TV, canais de TV a cabo, revistas, mais de 130 jornais e times esportivos profissionais." A multinacional é detentora, ainda, da rede social My Space, da empresa de tecnologia de educação Wireless Generation, da Avon Communication, empresa de sistema de comunicação eletronica que possui produtos e serviços para fins civís e militares, entre muitas outras.

A explicação convencional para isso, segundo o mesmo autor, são os avanços radicais na tecnologia de comunicação, aliado ao crescimento da globalização. Mas a verdadeira força motriz é a busca incessante de lucro que marca o capitalismo. "Na mídia, isso significa o relaxamento ou a eliminação de barreiras à exploração comercial e à propriedade concetranda de meios de comunicação."

Na Nova Zelândia, o quadro parece ser ainda mais grave. Grande parte da industria jornalística é controlado por Murdoch e pelo irlândes Tony O'Reilly, que domina a rádio comercial do país e possui participação no ramo editorial. Murdoch controla a televisão paga.

Na Grã Bretanha, uma das únicas editoras independentes, a Fourth Estate, foi vendida para a HarperCollins em 2000. Recentemente, em fevereiro de 2011, News Cop adquiriu a Shine Group, líder mundial de produção de conteúdo para televisão. A Shine foi fundada à 10 anos por Elisabeth Murdoch, filha de Rupert. Essa foi a maneira que o magnata encontrou de aproximar seus filhos do controle da News Corporation. As ações da empresa na Àsia e na Europa são chefiadas por James Murdoch, filho mais novo. No ano passado, a receita da News Corporation chegou a 33 bilhões de dólares.

Segundo Mcchesney,"o sistema de mídia global só é parcialmente competitivo, em qualquer sentido econômico do termo. Várias entre as maiores empresas do setor têm acionistas comuns, possuem partes uma das outras ou têm diretorias que se sobrepõem. (...) Dessa maneira, resuzem a concorrência e o risco e aumentam a possibilidade de lucro."

Qual o problema de tudo isso? Manipulação. Sim, formação de opinião em larga escala e rapidamente. Isso tudo sem nem entrar na questão da publicidade, que vende um estilo de vida, hábitos, gostos e o consumismo exacerbado, mantendo as grandes multinacionais capitalistas, prejudicando - pelo menos - o meio ambiente e aumentando a desigualde social."Nos Estados Unidos, os lobbies das corporações de mídia são famosos por sua capacidade de conseguir o que querem com os políticos.(...) as corporações têm a vantagem adicional de controlar os próprios meios de comunicação, que seriam os veículos nos quais os cidadãos esperariam encontrar críticas e discussão de políticas de mídia numa sociedade livre." (Mcchesney)

Indignada com as minhas descobertas, após alguns dias, fui pesquisar se a News Corporation havia conseguido comprar quase metade da rede de TV do Reino Unido. Segundo a Folha de São Paulo, em seu canal virtual, em três de março: "Reino Unido aceita compra da rede de TV por Rupert Murdoch." A vítima foi a British Sky Broadcasting. Pelo menos - segundo a reportagem - o Partido Trabalhista, oposição, está preocupado com o caso. Segundo eles: "a liberdade democráticas e a independência da imprensa estão sendo minadas."



quinta-feira, 3 de março de 2011

A situação confortável e o carro

Por Alberto Kirilauskas

Muito se escuta sobre a importância do transporte coletivo para melhorar a mobilidade nos centros urbanos, tais posições são normalmente oriundas de pesquisadores e alguns usuários que criticam a qualidade do transporte coletivo atual e propõem a melhoria do mesmo ao invés de partir para a “solução” individual que é a compra de um automóvel. Não tratarei aqui dessa suposta solução encontrada, o veículo individual, mas sim falarei sobre quem tece as opiniões pela melhoria do transporte coletivo.

Estar numa situação de conforto e, ao perceber os impactos negativos causados há outros pelo seu conforto, criticá-la para uma melhoria coletiva, propondo nivelar a qualidade mesmo tendo de reduzir sua situação de conforto, é uma posição adotada por poucos. Ressalto que a situação de conforto a que me refiro não é somente, no caso de um mega empresário do ramo automotivo, o carro em si, mas também a situação de compartilhamento do poder, tornando as sociedades mais ativas, uma vez que uma grande força de alguns setores industriais começa a ser reduzida, outras, e desejo que muitas, começam a ocupar seu lugar.

Essa introdução a uma reflexão deve-se ao fato, da posição do Bill Ford publicada pela Folha. Mais uma vez faço um adendo: mesmo sendo uma informação rasa, a reflexão não está repousada sobre o texto apresentado, mas sim sobre a possibilidade - mesmo que atualmente distante - e necessidade de pessoas em situações confortáveis em detrimento do conforto alheio abrirem mão desse conforto. Assim, uma vez que as pessoas dos altos níveis hierárquicos da sociedade global se identificam com o movimento ambientalista, abre-se a possibilidade de se pensar numa mudança de fato nas indústrias e sociedade ao invés de apenas uma apropriação do ambientalismo para manter a mesma estrutura que vêm degradando o planeta.

Trânsito com carros verdes continua sendo trânsito, diz Ford. Fernanda Ezabella - ENVIADA ESPECIAL da Folha de São Paulo A LONG BEACH, CALIFÓRNIA 02/03/2011

Bill Ford, bisneto de Henry Ford e presidente do conselho da Ford, se considera um "ambientalista industrial" e tem duas paixões desde menino: carros e natureza. Mas foi só depois de entrar na faculdade, nos anos 70, que percebeu que as duas coisas eram conflitantes.

"Fui considerado um radical", disse Ford, sobre quando começou a trabalhar na montadora, no desenvolvimento de produtos, em 1979. "Chegaram a me chamar na diretoria e pedir para eu parar de sair com ambientalistas suspeitos."

Ford, 53, falou nesta quarta-feira no TED, evento de palestras de 18 minutos com pessoas das mais variadas áreas, que acontece até sexta-feira em Long Beach, na Califórnia.

No lugar de uma palestra corporativa, Ford discorreu sobre seus sonhos para o futuro dos carros. Quer dizer, não carros, e sim futuro dos sistemas de transporte.

"Precisamos mais do que simplesmente carros inteligentes. Precisamos de estacionamentos inteligentes, transporte público inteligente", disse. "O que realmente me inspira é o que será possível quando nossos carros começarem a conversar entre si."

Entre os diversos números que apresentou, Ford afirmou que em Pequim a média que uma pessoa passa no trânsito por dia é cinco horas, e que um trânsito de 160 quilômetros levou 11 dias para terminar na cidade.

"Um trânsito de carros verdes continua sendo trânsito. A solução não é criar mais estradas ou carros inteligentes. Mas sim uma rede de soluções global", disse Ford.

O executivo também afirmou que, em 2050, haverá entre 2 e 4 bilhões de carros no mundo, o que causará problemas sérios como transporte de alimentos.

"Eu costumava me preocupar em vender mais carros e caminhões. Hoje eu me preocupo por vender apenas carros e caminhões."